terça-feira, 8 de abril de 2014

A um soprar de neblina...



A vida nos engole, é uma correria e as relações e o tempo escorrem. Janeiro, fevereiro, março e ao piscar dos olhos abril. Tenho medo de piscar os olhos de novo e abrir em dezembro. As pessoas ligam o tempo todo, todo o tempo. E quando há uma disponibilidade de 5 minutos entre uma ligação e outra é motivo de tensão: de se perguntar, o que está acontecendo? O celular te conecta com o mundo o tempo todo, de um modo confortável, sem laços afetivos apertados, podemos visualizar e não responder. Bloquear e deletar, uma pessoa ou uma relação incômoda, tudo desaparece ao simples toque da tela. E isso não deprime ninguém, pode até deprimir, mas temos na lista mais três ou quatro pessoas com quem podemos criar o hábito de mandar mensagens todos os dias. Essas relações pouco palpáveis, se dissipam com a mesma rapidez com que aparecem. E a cada momento e a cada esquina, a cada conexão da rede, sempre a mesma pergunta: o que eu ganho com isso? Recebo diariamente pelo menos 10 ligações de cliente revoltados porque a operadora não garante um celular novo e de graça a cada um deles. Presencio um mundo onde fidelidade é uma palavra vinculada à um contrato incômodo que fideliza o cliente a um plano por 12 meses. Sim, se antes as pessoas se orgulhavam de ser fiéis a uma marca ou a um estabelecimento, hoje o que impera é a lei do quem dá mais. E com nossas relações? Fazemos o mesmo, quase descartáveis, pessoas, celulares trocados a cada 3 meses, não paramos nem por cinco minutos e olhamos para frente, para as outras possibilidades para o que o outro pode me proporcionar e vestimos uma roupa nova apressados, como o coelho da Alice que tem pressa, pra novas reuniões, novas relações, e que como neblina se desfazem. Era o que eu pensava quando atendi o Lorival: Moça não consigo fazer ligação e tenho créditos. Explico para ele que o plano dele tem ligações ilimitadas e não possui sms no pacote e que vou verificar e ele responde: Eu só sei mesmo fazer ligação, acho muito perigoso e nada saudável o pessoal ficar grudado nisso o tempo todo, só sei ligar e não quero aprender mais nada. Acho engraçado como mesmo distante me identifico um pouco com os milhares de clientes que me deparo. Parece que a mesma distância que nos separa também nos une. Até mesmo aquele mais estressado, que já revida sem nem saber à que. Já passei pelos sentimentos e emoções que ele está passando e ele também passará por mim. Lembro ainda do Lorival dizer, que estava muito bem graças a deus, que com toda aquela idade ainda estava acordando e vivendo direitinho. Lorival, eu também estou bem, mais estou muito melhor por saber, que você se assusta com a virtualidade de tudo como eu. Não estou condenando o whatshapp e afins ou dizendo que não uso. Uso sim e me policio, até que ponto essa tecnologia toda me aproxima e me afasta ao que é humano. É o que me pergunto e espero que outras pessoas também se perguntem.

domingo, 16 de março de 2014

Tudo como era antes?

Esses dias eu estava atendendo e ouvi a pessoa do meu lado dizer: “Pode ficar tranquilo, já retornei o sr. Para o plano anterior e será tudo como era antes”. Que declaração inocente, e por quantas e quantas vezes, não desejamos que fosse tudo como era antes. Por que não como é agora? Tudo como era antes promessa impossível de ser cumprida. E porque desejamos tanto o antes, nos apegamos a certas coisas, um mesmo número de celular, “ porque esse número é meu há mais de vinte anos” . Tudo é até não ser mais. O que me levou a trabalhar como call center, alterou toda uma vida que parecia inalterável. Com tempo aprendemos, acreditamos que precisamos de tanto e vemos o que pode e deve ser deixado pra trás e vamos atrás de apenas o essencial, porque fazemos o que é necessário pra continuar. Largamos um número pra trás, enfiamos nossos pertences em caixas e partimos, olhar pra trás saudoso nos prende. Nos prende e nos atrasa, nos arrasta. É preciso atender uma ligação ruim, é preciso dar notícias ruins. Os clientes que ligam sempre querem ouvir que o desejam é possível e vai ser feito imediatamente, as pessoas costumam se estressar quando se deparam com um obstáculo que demonstra que o desejo delas não é possível, ainda mais numa época em que as pessoas são mimadas ao extremo, e diante de insatisfações o mercado oferece o dinheiro de volta e tudo como era antes.  Enquanto continuarmos pedindo ao destino  tudo como era antes, ele vai continuar a usar a fraseologia: “por falta de diálogo, estou autorizado a encerrar o contato, tenha uma boa noite”. O que será que realmente era este antes ao qual nos apegávamos tanto?Precisamos mesmo disso tudo?

sexta-feira, 7 de março de 2014

Gislaine...

Ninguém planeja ser call center.Fato. Mas é o setor que mais tem vagas no mercado, é o primeiro emprego de muita gente e a complementação de renda de muitas famílias, não existe hora, nem dia,nem feriado, todo dia é hora e temos ligações o tempo todo. Ainda mais numa geração que surta ao ficar 10 minutos que seja desconectado. “Moça, meu whatshapp não carrega nada, não consigo ver foto, abrir meu face”. São as frases mais ouvidas, principalmente após ás 18h. Presenciamos várias situações inusitadas, tem como estar em contato com seres humanos e não ser inusitado!?Trabalho nisto há 6 meses, por vontade das circunstâncias da vida, sei o preconceito com o qual o setor é tratado. Mas descobri as peculiaridades de entrar na casa de pessoas diferentes todos os dias. Através da audição estou em vários lugares sem sair do lugar, já fui convidada para experimentar um acarajé, na Bahia. Ir ao Rio Grande do Sul e conhecer as belezas do Rio de Janeiro. Hoje em especial vou contar a história da Gislaine, nunca me esqueci dela. Lembro que a atendi, mas não lembro sua solicitação, o que me recordo são as perguntas: “Moça?! Isso que você faz é trabalhar de call center?” estranhei a indagação, mas respondi que sim, ela perguntou  se teria que fazer algum tipo de curso para trabalhar, eu respondi que os treinamentos eram feitos na própria empresa, ela perguntou quanto eu ganhava. Disse não estava autorizada a passar aquele tipo de informação e perguntei por que? Ela respondeu que tinha uma empresa de call center na cidade dela, e que ela estava desempregada a mais de três meses, disse que ela foi fazer uma entrevista, mas uma amiga dela a colocou muito pra baixo. Eu falei pra ela que tinham os prós e os contras, que muita gente dizia que o trabalho era estressante, mas que eu não sentia desse modo, e que se pudesse dar um conselho à ela, diria para tratar com atenção e educação todas as pessoas, que você recebe isso de volta, disse que era o que tinha recebido e ainda recebo. Prestes a finalizar a ligação ela disse: Moça, você tem o meu número, pode me ligar quando quiser, eu moro no sertão e aqui não tem ninguém pra conversar. Aquele tipo de sinceridade ainda atravessa o meu coração, num mundo que as inovações estão tão rápidas que os relacionamentos humanos duram o tempo  de uma ligação de call center. Gislaine, eu não pude te ligar, são contra as regras da empresa. Espero que você tenha conseguido o emprego e muitas pessoas pra conversar, espero que um dia o sertão seja menos solitário pra você. Não te liguei, mas penso em você todos os dias e te desejo sorte!